Pacientes com surtos de febre enchiam os leitos dos hospitais. Agricultores deixavam de semear as lavouras, incapazes de sair da cama. Doentes recorriam a plantas medicinais para baratear o tratamento.
As cenas descrevem os efeitos da malária no sul dos Estados Unidos no começo do século 20.
Especialistas dizem que a ofensiva contra a doença - que a extirpou da região por volta de 1950 - pode trazer valiosas lições ao combate à zika, enfermidade também transmitida por mosquitos.
Eles defendem que uma das medidas mais simples e efetivas na vitória dos americanos contra a malária seja replicada nos países que hoje tentam controlar as infecções pelo Aedes aegypti: instalar telas em portas e janelas.
Autor de um livro sobre doenças que foram eliminadas dos Estados Unidos, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Valderbilt (Tennessee) Clifton Meador diz que até 1930 cerca de um terço dos habitantes do sul do país sofriam de malária crônica "por morar em casas sem telas nas janelas".
A doença era bastante comum em áreas afetadas pela Guerra Civil americana (1861-1865) - acredita-se que soldados tenham ajudado a disseminá-la. Outras enfermidades prevalentes na região na época eram a pelagra (deficiência de vitamina B3) e a ancilostomíase (transmitida pelo contato da pele com o solo infectado).
No livro From Med School: shoes, window screens, and meat (Da escola de medicina: sapatos, telas de janelas e carne), Meador atribui a erradicação das três doenças a campanhas que mudaram os hábitos da população.
No caso da malária, isso significou pôr telas em portas e janelas. A ofensiva envolveu também a drenagem de áreas de procriação do Anopheles, o mosquito transmissor da doença, e a aplicação de inseticida em casas e criadouros.
Hoje grande parte das casas e edifícios nos Estados Unidos tem telas que impedem a entrada de mosquitos. E em muitas residências com ar condicionado, as janelas jamais são abertas.
O Anopheles e o Aedes aegypti têm hábitos distintos. Enquanto o primeiro costuma se alimentar no crepúsculo ou à noite, o transmissor da zika e da dengue é mais ativo durante o dia.
Apesar disso, ambos costumam picar humanos dentro de suas casas ou arredores. Por isso especialistas dizem que telas são um método eficiente para evitar infecções pelos dois mosquitos.
O uso de telas contra a zika foi defendido numa reunião sobre a doença na sede da Organização Panamericana de Saúde, em Washington, na quarta-feira.
Diretor do Centro para o Controle de Doenças e Prevenção (CDC) do governo americano, Lyle Peterson citou os itens entre uma série de produtos que deveriam ser usados imediatamente para evitar picadas, sobretudo entre mulheres grávidas.
"Há métodos promissores de controle do vetor (Aedes aegypti) sendo desenvolvidos para o longo prazo", ele disse, "mas precisamos agir agora com os produtos que já existem".
Os demais itens mencionados por Peterson - responsável pela divisão de zoonoses do CDC - são mosquiteiros (usados para cobrir camas), inseticidas para uso doméstico, repelentes e camisinhas (estudos indicam que o zika também pode ser transmitido sexualmente).
Em reportagem publicada no jornal The New York Times em fevereiro, especialistas disseram que telas nas janelas e o ar condicionado eram as maiores armas dos Estados Unidos contra a zika.
"A transmissão explosiva pelo (Aedes) aegypti só ocorre em áreas tropicais que têm muitas casas sem telas", disse ao jornal Scott Ritchie, médico do Instituto Autraliano de Saúde e Medicina Tropical.
No Brasil, porém, especialistas dizem que o alto custo da eletricidade limita o uso do ar condicionado, e haveria obstáculos à instalação massiva de telas.
"O uso de telas e mosquiteiros é correto, mas todas as ações que envolvem custos para o cidadão são difíceis de implantar no Brasil", diz o virologista Davis Ferreira, vice-diretor do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ferreira afirma que, no país, os principais locais de disseminação de doenças por mosquitos são áreas bem pobres, como favelas. Mesmo se o governo assumisse a tarefa, diz ele, o custo da instalação seria bastante alto. E haveria outros desafios, como levar os itens a áreas controladas por criminosos.
"Seria praticamente impossível pôr telas em todas as casas numa favela como a Rocinha (RJ), que tem 200 mil habitantes."
Ferreira afirma, no entanto, que em áreas urbanizadas e de classe média a disseminação do método seria menos complexa e poderia gerar ótimos resultados.
http://noticias.uol.com.br/saude
seu texto aqui